Em áudios vazados ontem pela revista Veja, Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro que permaneceu preso durante vários meses por determinação do ministro Alexandre de Moraes, e que só escapou da cadeia após a assinatura de um acordo de delação premiada, narra a seu círculo próximo supostos detalhes sobre o modus operandi da Polícia Federal e do próprio Moraes em sua “rotina investigativa”. Segundo o tenente-coronel, os policiais o teriam induzido a corroborar declarações de testemunhas, e um certo delegado o teria constrangido a reproduzir informações específicas, sob pena de perda dos benefícios da colaboração. “Eles (os policiais) queriam que eu falasse coisa que eu não sei, que não aconteceu”, relatou Cid. “Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ser assim, que eu estava mentindo”, prosseguiu.
Em conversa com um amigo, Cid, após seu mais recente depoimento à PF, no último dia 11, desabafou: “Eles estão com a narrativa pronta. Eles não queriam saber a verdade, eles queriam só que eu confirmasse a narrativa deles. (…) Ele (o delegado) até falou: ‘Vacina, por exemplo, você vai ser indiciado por nove negócios de vacina, nove tentativas de falsificação de vacina. (…) Só essa brincadeira são trinta anos para você.”
Quanto à conduta de Moraes, Cid foi ainda mais incisivo. “O Alexandre de Moraes é a lei. Ele prende, ele solta, quando ele quiser, como ele quiser. Com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação.” E ainda complementou: “O Alexandre de Moraes já tem a sentença dele pronta, acho que essa é que é a grande verdade. Ele já tem a sentença dele pronta. Só tá esperando passar um tempo. O momento que ele achar conveniente, denuncia todo mundo, o PGR acata, aceita e ele prende todo mundo.”
Ainda não há como saber se é verídico o inteiro teor do relato de Cid. No entanto, há fatos notórios, incontestes e de amplo conhecimento público, que atestam mais uma torrente de ilegalidades no caso protagonizado pelo tenente-coronel. A primeira (e mais óbvia!) é o fato de Cid não dispor de prerrogativa de foro, razão pela qual não se sujeita à caneta de Moraes. Quanto ao encarceramento em si, determinado por supostas fraudes em carteira de vacinação do ex-presidente e de pessoas ligadas a ele, não se justificaria uma ordem de prisão preventiva, pois, ainda que as acusações sejam procedentes, uma falsificação (conduta pretérita) de documentos vacinais não coloca em risco a ordem pública.
Tampouco se pode silenciar sobre o fato de que Cid passou mais de 4 meses preso sem qualquer oferecimento de denúncia (ação penal) pelos procuradores, o que caracterizou excesso de prazo para a tomada de eventuais medidas cabíveis, e um constrangimento ilegal do detento, encarcerado sem qualquer perspectiva de um processo formal onde pudesse apresentar sua defesa.
Independentemente dos áudios, o autoritarismo togado no Brasil é realidade inegável, e o exercício do poder por Moraes já se distanciou há muito do conceito democrático de jurisdição. Assumiu as feições de vingança privada e uso do aparato estatal para a consecução de seus fins pessoais.
Fonte: Veja
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