Com os votos dos ministros Luís Fux, Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Edson Fachin, André Mendonça e Gilmar Mendes, a corte formou maioria para confirmar o entendimento de que o artigo 142 da Constituição não autoriza uma intervenção das forças armadas nos três poderes, sob qualquer hipótese. Como noticiado ontem, Barroso e Dino já haviam acompanhado a postura de Fux para acolher, em parte, ação proposta pelo PDT em 2020, e afirmar que não cabe às forças o exercício de um eventual papel moderador em crises institucionais.
Em seu habitual histrionismo, o decano Gilmar criticou os “impactos nocivos” de uma dita politização das forças, e manifestou “perplexidade” diante do fato de que a Corte “esteja obrigada a, na atual quadra histórica, ter de afastar certas pretensões que seriam consideradas esdrúxulas na vasta maioria das democracias constitucionais do planeta”. “Diante de tudo o que temos observado nesses últimos anos, todavia, faz-se necessária a intervenção do Supremo Tribunal Federal para reafirmar o que deveria ser óbvio: o silogismo de que a nossa Constituição não admite soluções de força”, afirmou Gilmar.
Outra vertente de atuação repudiada pelo decano foi a participação das forças na Comissão de Transparência das Eleições instaurada pelo TSE, durante as eleições de 2022. Segundo o togado, os fardados “buscaram, a todo momento, lançar dúvidas sobre a lisura e a integridade do processo eleitoral”, pois “agiram a reboque de um movimento que buscava descredibilizar o sistema eleitoral de modo a propiciar a consecução de propósitos políticos escusos. Tratou-se de uma operação de assédio à Justiça Eleitoral absolutamente inadmissível e incompatível com a ordem constitucional.”
O voto de Gilmar conseguiu ser ainda mais inconsistente e contraditório que os de seus pares que o haviam antecedido. Ora, se “nossa Constituição não admite soluções de força”, como asseverado pelo togado, qual a utilidade de treinar e sustentar os onerosos quadros dos quarteis, se, em nenhuma condição – nem mesmo nas mais excepcionais! – os fardados poderão empunhar fuzis e colocar tanques nas ruas? Bem distante da hipocrisia de utopias retóricas, qualquer Constituição democrática tem de prever a possibilidade do recurso à força como meio extremo de frear déspotas e/ou arruaceiros (até mesmo os assentados no interior dos poderes), para a restauração da paz social. Aliás, nenhum dos seis togados votantes conseguiu definir a forma de “garantia dos poderes constitucionais”, prevista no artigo 142, que não consista na chamada “diplomacia das canhoneiras”. Ou será que nossos supremos tentarão convencer adultos minimamente pensantes de que a repressão à desordem e aos arbítrios de todo o gênero se faz mediante técnicas de convencimento marcados por habilidade e doçura?
No plano eleitoral, Gilmar escancarou sua completa rejeição a qualquer espécie de atividade fiscalizatória, como foi, por exemplo, exercida pelas forças na última corrida eleitoral. Ora, se os fiscais, sejam eles fardados ou civis, não lançarem dúvidas e questionamentos plausíveis, e se restringirem a balançar afirmativamente suas cabeças, de que terá servido a fiscalização? Nossos togados, em particular os de cúpula, costumam ser tão avessos ao controle externo de suas atividades que autoridades como Gilmar – que sequer são magistrados de carreira – se sentem autorizadas a classificar como “assédio inadmissível” uma conduta que não passou de mera verificação.
Em toda essa discussão em torno da expressão “poder moderador”, o único poder não-eleito, ao refutar essa figura do modo como o fez, avocou para si a atribuição de despir as forças armadas de sua “força” institucional, e de proferir a última palavra sobre todas as matérias relevantes para a vida republicana, desde a atuação militar até o desenrolar dos processos eleitorais. Quem será mesmo o nosso verdadeiro Poder Moderador?
Fonte: Gazeta do Povo



