Na última sexta-feira (29), o Supremo iniciou o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo PDT, em junho de 2020, contra a Lei Complementar 97/99, que regulamentou o Artigo 142 da Constituição sobre a atuação das Forças Armadas. Reproduzindo o dispositivo constitucional, a norma questionada pela sigla esquerdista determina que “as Forças Armadas são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Ainda em 2020, o relator do caso, ministro Luís Fux, havia concedido liminar para esclarecer que a legislação brasileira “não autoriza a intervenção das Forças Armadas sobre o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo.” Em seu voto no dia 29, Fux reiterou seu entendimento para afirmar que: “o emprego das Forças Armadas para a ‘garantia da lei e da ordem’, embora não se limite às hipóteses de intervenção federal, de estados de defesa e de estado sítio, presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, mediante a atuação colaborativa das instituições estatais e sujeita ao controle permanente dos demais poderes, na forma da Constituição e da lei.”
Em seguida, os ministros Barroso e Dino acompanharam o relator. Em seu voto, depositado em plenário virtual no último dia 31, Dino manifestou a seguinte postura: “a função militar é subalterna; não existe, no regime constitucional brasileiro, um “poder militar”. Segundo Dino, “o poder é apenas civil, constituído por três ramos [Executivo, Legislativo e Judiciário] ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente”, e, na data do voto, o togado fez questão de relembrar o marco dos 60 anos do golpe no Brasil, referindo-se à era militar como “um período abominável da nossa História Constitucional”.
Por fim, Dino determinou o envio de seu voto ao ministro da Defesa, para a divulgação de seu teor em todas as organizações militares, inclusive escolas de formação, aperfeiçoamento e similares. Nas palavras do novo togado, “a notificação visa expungir desinformações que alcançaram alguns membros das Forças Armadas – com efeitos práticos escassos, mas merecedores de máxima atenção pelo elevado potencial deletério à Pátria.” Também remeteu seu julgado a Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados, em “agradecimento” por um antigo parecer elaborado na Câmara sobre a aplicação do polêmico dispositivo constitucional.
Elevado à categoria de “pomo da discórdia” entre as ditas correntes políticas divergentes no Brasil, o artigo 142 não passa de norma destinada à garantia de uma ordem democrática pacífica. Tanto assim é que, por força de seu teor literal, as forças armadas são investidas de poderes para: (i) a defesa da pátria (contra eventuais inimigos externos); (ii) a garantia dos poderes constitucionais, e (iii) por iniciativa de qualquer dos poderes, para a garantia da lei e da ordem.
Como, pelo menos no momento, não estamos expostos a riscos externos, o imbróglio gira em torno dos últimos dois itens. Se o funcionamento de qualquer dos poderes da república estiver sob ameaça, é dever das forças entrarem em ação, para assegurarem a integridade de sua estrutura. Dito de outro modo, na remotíssima hipótese de abusos crassos de prerrogativas funcionais, de uma chuva de arbítrios e de irregularidades flagrantes na atuação de algum dos ramos do estado, as forças não podem ser impedidas de exercer sua obrigação de preservar os poderes, sob pena de serem forçadas à prevaricação, o que seria, em essência, a oficialização dos desmandos e o surgimento do caos generalizado. E, nesse caso tão extremo, como pode o ministro Fux pretender manter as forças “sujeitas ao controle permanente dos outros poderes”, se os fardados tiverem de desbaratar verdadeiras “bandas podres” em certos braços da república que, via malfeitos praticados à luz do dia, forem as próprias causas da desordem?
Quanto à postura do ministro Dino, comunista declarado e, nessa condição, avesso à ordem democrática burguesa construída a duríssimas penas nos últimos séculos, vale destacar sua postura depreciativa em relação às forças, por ele classificadas como titulares de uma função “subalterna”. Ora, douto togado, em sociedades habitadas por humanos e suas pulsões frenéticas, a paz só pode ser garantida pela certeza de que, se advier a desordem, entrarão em cena os grupos treinados na arte da guerra, encarregados de, pelas armas, exercerem a “dissuasão” sobre os arruaceiros e assegurarem à comunidade o retorno à situação pacífica anterior.
Assim, fardados têm de ser adstritos ao respeito à Constituição e ao império da lei, mas não intimidados pelas convicções de um ou outro figurão de outro poder. Da mesma forma como um togado não pode enviar voto a ex-presidente da Câmara (e ex-investigado no STF!), como se remetesse cartinha a uma comadre. Acompanhando a continuidade de mais esse episódio farsesco da nossa republiqueta.
Fonte: Infomoney
Compartilhe




2 Comments
O argumento da autora na justificativa do poder moderador das FFAA é evidenciado na frase:
” (…) se os fardados tiverem de desbaratar verdadeiras “bandas podres” em certos braços da república que, via malfeitos praticados à luz do dia, forem as próprias causas da desordem?”.
Estaria a a autora se referindo à campanha contra a vacinação do PR anterior? Fica a pergunta, onde estava o poder moderador das FFAA na época?
Talvez tenham falhado em agir, ou então demonstraram sua total incapacidade de julgamento, ou ainda acharam um preço razoável a pagar pelo seu protagonismo junto ao governo. Acredito mais na última.
UT VOLUNT REGES ITA VALENT LEGES…na atual republiqueta, os agentes de governo e de estado, os três poderes, vivem promiscuidade oportunista. Não se deve esperar muito onde, a ignorância política do eleitor é endemia secular. Solução? 50 anos de Educação para o povo, algo muito temido e evitado pelas elites.